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A mostrar mensagens de 2018

É dom do mar a liberdade

Peito com lonjura no eterno escafandro. À tona, o mar guarda a proa. Nas fontes, a vontade da terra jorra azul. Vai como as aves, zarpar na madrugada a inocência. Entre os abismos, o mar acorda a ferocidade. Nas veias do sol, na vibração do vento. As águas lavram geografias e quimeras. A liberdade. é dom do mar. No fundo, sombras em metamorfose. Dormem pretéritos. Entoam bravuras. Sob o ouro das estrelas nascem liras e pensamentos de cidades idas. Crescem mitos e labirintos, nas rochas amadurecidas sem tempo. Volante das águas, a lua talha a face do universo. Na viagem abre gargantas extáticas, moldadas nas altas torres frias. Sob o sol arde o gelo, cortado pelo gume do fogo. Quase aéreo, o mundo permanece preso à espinha da raiz. Mais próxima da alma ficam as estações. São como mulheres pelo lado de dentro, levam no regaço o voo do êxodo. O mar cresce de véspera no fundo. Cresce em vertigem sobre as dunas. Mas a água rachada

a ausência

A janela converte-se em espelho. No tardar de ser, vem a certeza. Por entre o frio do tacto e o olhar quebrado. O céu segue vertendo embriaguez e a árvore reclinada medindo o tempo. Vem contida no sangue, a ausência. Vem, como tarde cega que procura a cadência da papoila entre o trigo. Em lamento, o coração ondeia, efémero e maduro. Conta o tempo. Estima o instante. Como asa que espera o vento. Mas o corpo permanece, sobre os ombros de si próprio. Na sua travessia, compõe a ausência, em afirmação de partida. Zita Viegas Fotografia de Jorge Santos https://plus.google.com/+JorgeSantos-namastibet

o porto

O sabor do gole está na forma do co(r)po. Quando se saboreia uma tempestade, saboreia-se a maresia. No mar, o palato é de terra e a barca vem nos braços. O porto assenta no impacto da chegada. Zita Viegas Ilha de Santa Maria - Fotografia de Rui Jorge Parece Batista

Reduzo a cinza as cartas de amor

Fotografias bordadas de Jose Romussi -  https://wsimag.com/pt/arte/19736-fotografias-bordadas-de-jose-romussi Escrevo cartas de amor com a consciência de que despertar o amor em outrem permanece um segredo. Escrever cartas de amor é um gesto dos Homens, que oferecerem terras e montes às aves inocentes. E spanto  dos campos fecundados pl`a lua. Escrevo cartas de amor com o instinto das manhãs, abertas com o assédio da flor inicial, gerada no cálice da noite. Pelo dom do lume, pela fome dos bichos nasce a videira do espírito, mantimento da palavra.   Na palavra que escrevo habita a carne presa à vida breve. Em tempo breve  o sonho chega, pede a margem, outra margem. Pois, o mundo principia na crença, no céu e no mar, ao som da harpa da vida, por a beleza passar na espuma dos dias. Reduzo a cinza as cartas de amor, por o amor criar suplício. Nasce a sua cura na criação do amor plural, no fiel e infiel, na secreta existência

jura o verbo à palavra

jura o verbo à palavra na pausa inundada de confissão improvável. jura a mão cheia de riqueza, sem valor no eco da voz, ilusão. lançado o adjectivo. ao verbo, entre dentes jura, com juras de poder. o erro vai no tempo. a jura sagrada, cai em folha sem fortuna Zita Viegas

medula da vida

Fotografia que ornamenta a página com o poema "No bater de duas asas", título e fotografia de Jorge Santos  http://namastibet.blogspot.com possuo o corpo no seu exilio deixando lasso o lado esquerdo na boca colho o sémen em comunhão com a água no seu sopro d' instante no último existir, coloco as mãos em arco em jeito de dádiva. todos os rumores da terra adormecem. não me basta o espanto para abrir o espírito. entrego-me ao porte das árvores libertando-me na medula da vida Zita Viegas

ilha

  ‎Fernando A. Pimentel‎ para AÇORES UNIDOS. -  30/01, Cordilheira Vulcânica Central da ilha de S.Jorge corpo em curva braços longilíneos és mulher de lava e de fogo de branco, aurora de azul, mundo entre bruma e renda de espuma dormes com o mar.   és amante dos rios e do calado dos navios de colo esmalte fulvo  de maré prenhe teu ventre redondo une a terra à curva do céu parindo a rota da proa além-mar, terra à vista!  és umbigo.    nó d` amarra no cais onde a gaivota anuncia o berço do mar  és promessa de vela de brisa e de manhã mulher que borda a terra   da barca que nasce no mar    Zita Viegas

o melro

na travessia leva o lusco-fusco. voa veloz para anoitecer a árvore. com o bico em pranto  fere o dia, sem ferir o canto. Zita Viegas

Mãe

é um barco e um cais o teu nome. Mãe. nele crescem oceanos e suavizam-se montanhas. ele que oferece aves com mapa nas asas. os seus braços abrem-se como um rio debruado com as árvores do coração. em cada mão tem uma concha com o perfume e o sabor da semente. o teu nome oferece terra e água em oração. Zita Viegas

Tem forma de mulher a atração

Pablo Picasso (1881-1973), «Les Demoiselles d’Avignon» [«As meninas de Avignon»]; 6-7/1907; Óleo sobre tela; 243,9 × 233,7 cm; New York [Nova Iorque], Museum of Modern Art (MoMA) Ergue-se   a roda do vestido   quando o contentamento se oferece.  Tem a omnipresença das flores no corpo que madruga para o centro da terra,  por crateras que se abrem para dentro  no sentido do íman do coração. Tem forma de mulher a atração.  Vai dos pés à cabeça, do mar ao fogo e à doçura do sol. É navio seduzido pelo cais. Zita Viegas

noite

Os latidos acedem  as janelas. Uma porção de luz abre a porta. Os olhos do cão iluminam a casa. Zita Viegas

Noites são casas onde as mulheres se demoram

Noites são casas onde as mulheres  se demoram.  Há paredes e fustes sitiados de rostos. Silêncios aplainados às portas e janelas que guardam os segredos da carne. Noites são casas que têm mulheres dentro, como escadas que os homens sobem, degrau a degrau. Noites são casas cheias de estrelas áridas, paradas nos olhos das mulheres. Têm luzes rachadas, abertas nas faces tingidas com solidão e amargo pudor.   Casas são femininos nocturnos,  onde entram noctívagos com olhares selváticos em agonizante êxtase. Casas com mulheres que adornam a carne quebrada, o regaço batido e o sono da fadiga.  Noites são  casas vestidas de pele que se cobre de pérolas frias  e de correntes adormecidas no peito. Casas são noites com mulheres que guardam espadas de amores bárbaros que na ilharga penduram países, terras inimigas e cidades longínquas. Noites são casas onde as mulheres se demoram para ouvir o tambor que ecoa no sangue e a ferida que fala com a fome

passo a passo

passos, em passos vão e em vão passam. com os primeiros, o que é longe, a perto chegarão. se lentos, apressam-se. em roda enganam o tempo. inquietada a alma irá em passos perdidos. nas areias, em passos se tropeça. passos, não sepultam pedras. o caminho,  com passos se faz a cada um, um passo jaz. passo a passo,  entre passos, caminha-se na vida. com passos seguros, se vai sem temor ao dia. em passos largos, na noite vem o comprimento do medo, no eco da rua ou entre paredes. do passo atrás, ao  passo em frente, passos sem fim. passo a passo para o passo da liberdade. Zita Viegas

fruto eterno

quero a lira do teu nascente corpo de frutos adornada. Do pêssego o veludo, da romã o sagrado quero a espessa trama da tua carne para em meu carpo t`enamorar e no teu peito içado me abastar em teu primaveril trono, quero teu corpo pomo, teu sulco mel para desfrutar o ouro da tua pele mulher, quero teu ventre adornar com línguas de sol, bagas d`adão em ti raízes de fruto eterno criar Zita Viegas

olho o céu ao encontro dos teus olhos

olho o céu ao encontro dos teus olhos fundo vou para a alcançar a boca    convoco  pássaros e manhãs   descubro a flor do silêncio da mulher na altura do meu colo vem a língua de lume que acende teus focos celestes são lugares de vontade  onde, como criança me demoro estrelas como nenúfares em água nocturna cai – só na tua boca tenho sede na tua boca encontro o firmamento nos olhos amo o mistério de seres mulher Zita Viegas