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Gosto do mar quando está à conversa

Gosto do mar quando está à conversa. Cicia à espuma. Sobre a areia nua. Sinto a vontade de ter uma lágrima. A pulsar como a semente. Sem palavra. Sem escuta. Gosto do mar quando está à conversa. Põe-me num sono bolino. Como no embalo junto ao peito. Gosto do mar quando está à conversa. Encontro-me com o ontem, como saísse da minha mãe. Gosto do mar quando está à conversa. Exalta-me como som de violino.
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Rio

Corre em ti. Uma mulher. Com mistério. Rio. Ao tocar o mar. A funda terra. Rio, por vezes, por um fio. Rio doce. Rio em lentas águas. Ou aluvião. Rio, quando chegas. À clandestina estação. Rio, sempre. Quando agitas as manhãs. Rio com a fé da nascente. Rio ao vento. Ao canto, adentro. Rio de flores. Na jarra do ensejo. Papoila! Rio em ressurreição. Nas colinas, em ti. Rio. Com a chegada aos lagos. Olhos verdes. Rio, na foz, devagar. Com a chegada à tua margem. Zita Viegas

Que pouco fosse, mas que para sempre me fizesse menina

Se fosse calor, vestir-me-ia de estação. Se fosse videira, comeria a terra. Se fosse trago, beberia a uva. Se fosse contigo... colheria flores. Sempre que o Outono fosse vinda. Sempre que o Verão fosse haste de bonomia. Com braços inclinados ao chão, para a vida, tomaria o corpo do vinho. Que pouco fosse, mas que para sempre me fizesse menina. Zita Viegas

nada há em mim

https://www.google.com/search?q=cura+para+mim+em+mim&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwiW3MbthtrjAhUiyoUKHT2aBloQ_AUIEygD&biw=1360&bih=667#imgrc=4J4z16qVe7gDZM: Ninguém me culpe por nada merecer. Nunca fui motivo p´ra existência. Só na terra de folhas com folhas. Está a cura de mim para mim. Nada há em mim. Deixei tanto sonho ignorado. Hoje, gaguejo ilusões. Para os anos que me sobram.  De imperfeição e im pudor.  Desfeito o espanto aberto. Com o peso de ser. Sinto a alma perto do chão . Com os olhos dentro do rosto. Nunca me deixei tocar aos poucos. Pelos outros t ão menos. Tampouco me imitei. Nem nos vingativos prazeres dos corpos. Zita Viegas

É dom do mar a liberdade

Peito com lonjura no eterno escafandro. À tona, o mar guarda a proa. Nas fontes, a vontade da terra jorra azul. Vai como as aves, zarpar na madrugada a inocência. Entre os abismos, o mar acorda a ferocidade. Nas veias do sol, na vibração do vento. As águas lavram geografias e quimeras. A liberdade. é dom do mar. No fundo, sombras em metamorfose. Dormem pretéritos. Entoam bravuras. Sob o ouro das estrelas nascem liras e pensamentos de cidades idas. Crescem mitos e labirintos, nas rochas amadurecidas sem tempo. Volante das águas, a lua talha a face do universo. Na viagem abre gargantas extáticas, moldadas nas altas torres frias. Sob o sol arde o gelo, cortado pelo gume do fogo. Quase aéreo, o mundo permanece preso à espinha da raiz. Mais próxima da alma ficam as estações. São como mulheres pelo lado de dentro, levam no regaço o voo do êxodo. O mar cresce de véspera no fundo. Cresce em vertigem sobre as dunas. Mas a água rachada

a ausência

A janela converte-se em espelho. No tardar de ser, vem a certeza. Por entre o frio do tacto e o olhar quebrado. O céu segue vertendo embriaguez e a árvore reclinada medindo o tempo. Vem contida no sangue, a ausência. Vem, como tarde cega que procura a cadência da papoila entre o trigo. Em lamento, o coração ondeia, efémero e maduro. Conta o tempo. Estima o instante. Como asa que espera o vento. Mas o corpo permanece, sobre os ombros de si próprio. Na sua travessia, compõe a ausência, em afirmação de partida. Zita Viegas Fotografia de Jorge Santos https://plus.google.com/+JorgeSantos-namastibet